quarta-feira, 25 de março de 2015

EUA podem perder a longo prazo com os cortes na Base das Lajes

A decisão de realizar profundos cortes na força militar estacionada na Base das Lajes pode revelar pouca cautela por parte dos Estados Unidos da América. A ideia é defendida, num trabalho de tese, por Rui F. Amaral, militar da Força Aérea norte-americana, no seio da Escola de Pós-graduação Naval de Monterey (Naval PostGraduateSchool).
Na tese, intitulada "Relações Estados Unidos-Portugal e a Base das Lajes", Rui Amaral, que nasceu na Terceira, sustenta que pode haver um preço demasiado elevado a pagar pelos norte-americanos com o downsizing nas Lajes, quer em termos de redução de capacidade operacional, quer quanto ao que pode custar demolir infraestruturas que se tornem obsoletas.

De acordo com o documento, se no que diz respeito às infraestruturas Portugal teimar em fazer cumprir o acordo técnico, os EUA podem deparar-se com um custo de demolição que vai além das poupanças estimadas para os próximos anos com os cortes nas Lajes.

"Trezentos edifícios seriam devolvidos ao governo português. Esta matéria causou um problema que se prende com os parâmetros do acordo técnico entre os Estados Unidos e Portugal, diretamente relacionados com a Base das Lajes e todas as suas operações. Sob este acordo, qualquer infraestrutura norte americana considerada desnecessária seria oferecida à Força Aérea Portuguesa para a sua utilização.

Se a Força Aérea Portuguesa não as aceitar, no âmbito do acordo, o edifício em questão terá de ser demolido, com o custo a ser suportado pela Força Aérea norte-americana e o solo terá de ser devolvido à sua condição original antes de ser devolvido à Força Aérea Portuguesa", começa por assinalar. 

"Se o governo português insistir em aderir a esta cláusula, a soma monetária para a demolição dos edifícios e a recuperação dos solos pode ser extremamente elevada, eliminando diretamente e ultrapassando as poupanças anuais previstas de 35 milhões de dólares", conclui Rui Amaral.

Pista limitada

Mas não é apenas nesta matéria que os Estados Unidos pisam chão pouco seguro ao optarem por um desinvestimento nas Lajes. A tese olhou também para a redução da capacidade operacional da base militar. "Uma redução significativa processa-se nas horas de operacionalidade da pista das Lajes.

A Base das Lajes tinha uma pista operacional 24 horas por dia, ao longo de toda a semana, o que será reduzido para oito horas ao longo de cinco dias por semana, tendo um impacto severo nas opções disponíveis para qualquer voo transatlântico com passagem na Base das Lajes, quer para descanso da tripulação, como para reabastecimento de combustível.

Missões de emergência ou prioritárias ainda seriam servidas pela Base, mas estas são poucas e espaçadas", assinala Rui Amaral.

"Desde a sua construção, a principal missão da Base das Lajes tem sido o reabastecimento de aeronaves militares que voam de e para a Europa", lembra a tese, que frisa que as Lajes são o maior ponto de reabastecimento da Força Aérea norte-americana na Europa e o segundo com maior dimensão no que diz respeito às bases espalhadas no estrangeiro. 

"O tempo limitado para as aeronaves aterrarem e reabastecerem nas Lajes tornará o planeamento de voos mais difícil para os Estados Unidos e para as forças da NATO e também para futuros parceiros de coligação", garante.

Além disso, a tese alerta para o facto da redução de forças dos EUA ir colocar sobre a Força Aérea Portuguesa uma maior carga no que diz respeito a garantir a segurança de toda a infraestrutura militar.

Relações em perigo

Além dos possíveis custos de demolição de edifícios obsoletos e da redução da operacionalidade da pista, Rui Amaral considera que pode também ser colocada em perigo a relação bilateral EUA-Portugal. 

"A redução de forças irá afetar os trabalhadores contratados localmente. O peso de mais de 300 pessoas desempregadas ou reformadas será colocado diretamente na frágil economia portuguesa", avança.

"Não podemos prever o futuro, mas é sempre prudente seguir o caminho da cautela. O arquipélago dos Açores, a ilha Terceira, e a Base das Lajes têm oferecido uma vantagem estratégica em momentos épicos da História. Uma vez completa a redução de forças, a Força Aérea terá de considerar a redução da sua pegada física numa ilha com uma quantidade finita de terra", escreve Rui Amaral. "Assim que o terreno que está agora a ser utilizado pela Força Aérea norte-americana for devolvido ao governo português, certamente este irá para as mãos dos privados e será utilizado para projetos civis. Será impossível ou demasiado caro voltar a ganhar esse terreno de volta, que pode ser necessário para futuras missões na Base das Lajes", avisa.

O conselho final do capitão da força aérea norte-americana, que já passou pela Base das Lajes em serviço, é que os responsáveis políticos norte-americanos tenham uma visão de mais longo prazo no que diz respeito a este processo. "O laço estratégico comum entre aliados, cultivado durante mais de 60 anos de utilização da Base das Lajes, é um fator demasiado importante para omitir como irrelevante quando se analisam as consequências dos cortes na dimensão e nas forças da base. Por vezes, o valor de um ativo estratégico a longo prazo é mais importante do que os constrangimentos orçamentais de uma potência global", reflete.

Fator Rússia

Rui Amaral lembra que o tabuleiro da geoestratégia está em constante movimento. Um elemento imprevisível, neste momento, é a ação da Rússia.

"Acontecimentos recentes envolvendo a Rússia colocaram em perspetiva a importância de estar preparado, se necessário, para reavivar velhas medidas da Guerra Fria que garantam a segurança dos Estados Unidos e dos seus aliados da NATO. A 'exploração' recente, por parte da Rússia, do espaço aéreo canadiano, europeu e norte-americano com as suas aeronaves militares é parte de uma demonstração de força que está a escalar desde a anexação da Crimeia, em março de 2014", analisa.

Tendo em conta este cenário, o autor da tese que se debruça sobre o futuro das Lajes e das relações entre Estados Unidos e Portugal sustenta que o futuro pode passar por uma missão da Marinha norte-americana com base na Terceira. 

"Desde o fim da missão de monitorização de submarinos da Marinha dos Estados Unidos na Base das Lajes, em 1994, esta região do Atlântico tem permanecido sem vigilância por mais de duas décadas. A reativação de uma infraestrutura naval na Base das Lajes permitiria aos Estados Unidos e aos seus aliados da NATO detetar quaisquer futuros movimentos marítimos clandestinos nesta zona do Atlântico por um estado estrangeiro", argumenta.

Esta missão da Marinha, sustenta Rui Amaral, traria também forças militares de volta à base e reativaria o uso de edifícios agora vistos como não essenciais.

Força Aérea e Marinha utilizariam conjuntamente habitações, escritórios e escolas.

Dificuldades de acesso a fontes norte-americanas nas Lajes

Problema de diálogo

A tese elaborada por Rui Amaral analisa também o papel de organismos como a Comissão Representativa dos Trabalhadores (CRT) das Lajes no processo iniciado desde o anúncio, pelos EUA, de cortes significativos na base militar.

De acordo com Rui Amaral, a Comissão tem um papel "proeminente" junto da opinião pública local, amplificado pela cobertura dos órgãos de comunicação locais e nacionais.

Segundo o documento, este fenómeno tem, por vezes, enviesado a opinião pública, uma vez que "os jornalistas têm acesso sem restrições à CRT, mas não ao pessoal dos Estados Unidos na Base das Lajes". 

Rui Amaral sublinha que na base do problema está o facto de os pedidos colocados pelos media serem sujeitos a análise do Comando Português e acabarem, na sua maioria, negados.

O autor cita um relatório ("The U.S.-GlobalLeadership Project, A

PartnershipBetweentheMeridianInternationalCenterand Gallup") que analisou a visão sobre a política externa dos Estados Unidos. No caso português, de 2007 a 2012, a tendência era claramente negativa junto da opinião pública.


Rui Amaral considera que a taxa de aprovação dos cidadãos face à política externa norte-americana pode influenciar o governo português. "Um baixo nível de aprovação quanto a forças militares estrangeiras em solo português pode, a determinado ponto, tornar-se um fardo para a soberania portuguesa e enfraquecer a aliança entre os Estados Unidos da América e Portugal", escreve.

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